A Comissão Europeia (CE) prepara-se para discutir, junto do Tribunal de Justiça das Comunidade Europeias (TJCE), a conhecida lei da Volkswagen, por alegado incumprimento por parte do Executivo Alemão face às recomendações últimas sobre esta matéria. De acordo com uma nota de imprensa datada de 5 de Junho de 2008, a CE já havia intimado os órgãos responsáveis pelo sector financeiro a procederem a uma alteração legislativa que respeitasse as conclusões do TJCE no caso C-112/05 (Commission of the European Communities v. Federal Republic of Germany):
“A Member State which maintains in force legislation which, in derogation from ordinary company law, combines a limitation of the voting rights of every shareholder in a given company to 20% of that company’s share capital with the requirement of a majority of over 80% of the company’s capital for the adoption of certain decisions by the general assembly, and which, in derogation from the general law, allows a Member State and a territorial entity of that State each to appoint two representatives to the company’s supervisory board, fails to fulfil its obligations under Article 56(1) EC. “
Em causa estão três normas da Lei de 21 de Julho de 1960 (“Law on the privatisation of equity in the Volkswagenwerk limited company”) que permitem ao Estado alemão da Baixa-Saxónia bloquer uma potencial OPA sobre aquele gigante automóvel. Tratam-se das nossas bem conhecidas “golden shares”, caracterizadas por atribuirem especiais prerrogativas ao Estado sem que a respectiva percentagem do capital social na empresa visada garanta a atribuição linear desses direitos. Em concreto, o diploma bávaro prevê três tipos de situações consideradas abusivas e violadoras da Liberdade de Circulação de Capitais:
- representação automática no Conselho de Administração da empresa (nomeadamende, com a alocação de um lugar fixo ao Premier da Baixa-Saxónica);
- limite mínimo de 20% para o exercício do direito de voto (“voting cap”); e
- uma minoria de bloqueio de 20% (“bloking minority”).
Ora, apesar de estas “acções” terem sido já julgadas (por diversas vezes) ilegais pelo TJCE, o facto é que ainda são instrumentos muito em voga, usados sobretudo pelos países que mais óbices têm colocado à permissão de aplicação de medidas defensivas contra-OPA. Este foi um dos pontos desenvolvidos na tese de pós-graduação que serve de base à criação e lançamento deste blog e, atenta a investigação feita por ocasião da sua elaboração, posso afirmar que os mais acérrimos defensores da “strict neutrality rule” da Directiva das OPA’s (Directiva 2004/25/CE do Parlamento Europeu e do Conselho) têm sido os que mais têm recorrido a estes expedientes.
A “golden share” tem a sua origem histórica nas acções preferenciais criadas pelo Governo de Margaret Thatcher aquando do lançamento do vasto processo de privatizações na década de 80. Em Portugal, este tem sido um instrumento usado, sobretudo, para garantir que determinadas decisões ou orientações são aprovadas ou rejeitadas nas assembleias-gerais de accionistas, uma vez que normalmente surgem associados a um importante direito de veto. O exemplo prototípico é-nos dado pela Portugal Telecom onde o Governo Português detêm acções de tipo A, que lhe atribuem direitos especiais que nenhum outro accionista detém. O executivo afirma que se trata apenas de uma forma de proteger o interesse nacional em empresas com valor estratégico, assegurando que eventuais OPA’s hostis não interferem no regular funcionamento do mercado.
Este mesmo argumento foi avançado pelas autoridades espanholas em defesa das suas acções com direitos especiais, embora o executivo madrileno tenha optado por retirar da lei essas prerrogativas para evitar sanções de Bruxelas. Parece, de facto, a escolha mais acertada do ponto de vista do direito comunitário, principalmente em face da consagração das liberdades de circulação de capitais e de estabelecimento, mas não parece uma solução que o executivo português esteja disposto a implementar.
Ora, ainda que se compreenda perfeitamente a preocupação com posições estratégicas em empresas de referência no mercado português, não se pode aceitar que medidas sub-reptícias possam permitir resultados que a lei (e o próprio direito comunitário) quiseram, deliberadamente, afastar. Não se compreende o esforço colocado na implementação de uma regra de “passividade” aplicada à sociedade visada num processo de aquisição por oferta pública quando, por outro lado, alguns Estados continuam a decidir unilateralmente sobre o futuro dessas ofertas, usando um “não” especial que se sobrepõe à vontade daqueles que a Directiva considera os principais interessados nestes processos: os accionistas.