Ofertas Públicas e recomendações públicas: o caso da Zentiva

O Conselho de Administração da ZENTIVA, empresa checa especializada na produção e comercialização de medicamentos genéricos, deliberou por unanimidade aceitar a oferta da farmacêutica francesa Sanofi-Aventis, que era já a sua maior accionista com 24,9% dos votos. Esta decisão vem no seguimento da rejeição da anterior oferta da Sanofi e de um longo combate pelo controlo da empresa iniciado em Maio deste ano.

Entretanto, o CEO da empresa checa veio já declarar publicamente que o valor oferecido representa uma clara mais-valia para os seus accionistas, sobretudo à luz da actual turbulência sentida nos mercados financeiros internacionais (1). Uma recomendação pública no sentido de promover a venda dos títulos àquele gigante farmacêutico que resultará, com grande probabilidade, na aquisição da quase totalidade das acções da Zentiva, ficando o resto ao dispor dos direitos de aquisição ou alienação potestativa conferidos pela Directiva das OPA’s (“squeeze-out” e “sell-out rights”).

Nestes termos, cabe perguntar qual o verdadeiro alcance destas recomendações públicas e que efeitos poderão produzir sobre a decisão de venda por parte dos accionistas. Regra geral, uma declaração deste género acaba por se traduzir numa correcção quase automática das cotações do título, por indicar aos accionistas que já não existe grande potencial de valorização sem as eventuais sinergias de uma fusão (admitindo que este tipo de concentrações produzem sempre resultados positivos (V. Review of Finance 8, 2004).

Por outro lado, atentas as restrições à actuação dos órgãos de administração da sociedade visada (“neutrality rule”), torna-se essencial debater qual o verdadeiro efeito prático desta norma, já que os CA poderão sempre fazer recomendações a favor ou contra, sinalizar o mercado com uma nova política de dividendos ou promover reestruturações destinadas a obstar ao efeito pretendido pelo oferente (o já conhecido caso da PT Multimédia). Pela parte que me toca, continuo totalmente a favor da instituição de uma “business judgment rule” modificada pela dinâmica do próprio mercado europeu, onde o carácter meritório de todas as medidas ou comportamentos do CA acabaria sob a alçada de um escrutínio “ex-post” da assembleia geral de accionistas, confirmando ou rejeitando “in casu” a justiça de cada concreta medida ou reacção.

Novo Curso de Pós-Graduação em Valores Mobiliários

Aqui fica a informação respeitante ao calendário e ao corpo docente do XIII Curso de Pós-Graduação em Direito dos Valores Mobiliários. É, sem dúvida, uma formação com enorme interesse, que recomendo vivamente a todos os que trabalhem diariamente com a matéria ou que tenham especial interesse sobre este tipo de assuntos.

http://www.fd.ul.pt/cursos/pgrad/pgrad08-09/docs/val-mob/xiiicursoprog.pdf

Ficheiro para Download:

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O fim dos “golden parachutes”

Os partidos Democrata e Republicano chegaram ontem a acordo sobre a proposta da Administração Bush para salvar o sistema financeiro norte-americano, no seguimento da proposta que já havia sido apresentada pelo Secretário do Tesouro HenryPaulson no passado dia 18 de Setembro. A proposta sofreu algumas alterações pouco substanciais, continuando a promover a injecção de quase 700 MM deUSD na recompra dos activos problemáticos transaccionados pelas maiores instituições de Wall Street.

Contudo, foram adoptadas algumas medidas de fundo que visam disciplinar o funcionamento do mercado no seu todo. De entre as várias soluções apresentadas no sentido de aumentar a fiscalização e regulação do mercado, merece uma particular referência a cláusula respeitante à eliminação dos chamados “golden parachutes”. Tratam-se, no fundo, de estipulações contratuais que obrigam ao pagamento de indemnizações milionárias aos administradores das sociedades que pretendam removê-los dos respectivos cargos, independentemente de haver ou não justa causa nesse despedimento (claro está, desde que não exista um comportamento doloso que prejudique a empresa). Em todo o caso, esta medida sóterá aplicação para o futuro, pelo que os contratos actualmente em vigor e que contenham alguma cláusula deste género, manter-se-ão plenamente válidos.

Julgo que se trata de uma boa medida, pese embora ter havido alguma parcimónia na implementação aos contratos actualmente em vigor.Dir-se-á: sendo um Estado de Direito Democrático , alterações à lei com este nível de implicações não poderão ter efeitos retroactivos. Mas, tratando-se de um plano de cariz absolutamente excepcional, não seria de estranhar que a medida fosse alargada aos contratos em vigor.

O mercado norte-americano segue, por definição, uma filosofia bem mais liberal que a experimentada por estes lados da Europa. Umas vezes falha, outras consegue impor e mostrar todas as virtualidades do modelo implementado. Resta saber até que ponto será levada esta nova vaga de regulamentação dos mercados financeiros.

V. http://edition.cnn.com/2008/BUSINESS/09/29/us.congress.bailout.deal/index.html#cnnSTCText

Easilex

Sociedade canadiana faz apelo aos seus subscritores

De acordo com uma notícia avançada pela Reuters no início desta semana, o Fundo de Investimento da sociedade canadiana TERANET pediu aos subscritores das respectivas unidades de participação para não assumirem qualquer tipo de comportamento relativamente à Oferta Pública lançada pela BOREALIS, Inc. A Teranet é empresa líder no mercado do fornecimento de produtos e serviços de informação terrestre, sendo um dos principais parceiros dos organismos públicos e governamentais de Toronto e do Ontário. Por seu turno, a Borealis é vista como um dos veículos de investimento da OMERS, um dos maiores fundos de pensões a operar no Canadá.

Segundo informação veiculada pela própria sociedade visada, a Teranet tem recebido sinais de interesse por parte de outros potenciais interessados no negócio, afirmando que está em curso um processo de obtenção de informações internas (due dilligence) que levou à assinatura de alguns acordos de confidencialidade e cláusulas com efeitos suspensivos (“stand-still agreements“).

Ora, procurando extrapolar a reacção desta sociedade para um cenário de regulação à luz das directivas comunitárias, resta saber qual a eficácia deste tipo de medidas e que efeitos poderá implicar no próprio preço das acções. Isto porque, ainda que se trate de uma mera comunicação sem qualquer cunho vinculativo, o certo é que se trata de divulgar informação sensível passível de inflacionar o preço das acções, dado que, sabendo os accionista à partida que os seus títulos provocam um interesse série em vários investidores, a reacção normal será manter os títulos em carteira (Hold) ou, eventualmente, aumentá-los. Portanto, no limite ainda se poderá encarar esta reacção como uma forma de limitar ou prejudicar a oferta, influenciando os termos de troca e perturbando as cotações, no mesmo preciso sentido que outras medidas defensivas, nomeadamente, pela atribuição de acções ou opções sobre acções ou bens da sociedade visada aos “whites Knights” (oferentes amigáveis) ou a outros potenciais interessados para além do oferente inicial (as “lock-up options“).

Directiva dos Direitos dos Accionistas

Está em curso o processo de Consulta pública nº 10/2008, em que a CMVM, juntamente com os Ministérios das Finanças e da Administração Pública e o Ministério da Justiça, submete a consulta pública um Ante-Projecto de Transposição da Directiva dos Direitos dos Accionistas e de Alterações ao Código das Sociedades Comerciais.

O consulta decorrerá até ao próximo dia 15 de Novembro de 2008, sendo que todos os interessados (quer sejam profissionais do sector ou público em geral) poderão enviar os seus comentários directamente para qualquer dos links disponibilizados no site da CMVM.

No geral, esta proposta de transposição merece alguns pequenos apontamentos. Em primeiro lugar, trata-se de uma tentativa meritória de equilibrar as posições dos accionistas residentes no Estado-Membro onde está sediada a sociedade em questão e a dos restantes accionistas com posições transfronteiriças. De facto, como bem refere o Considerando (3) da Directiva (2007/36/CE), “Os accionistas com direitos de voto deverão poder exercer esses direitos, dado que são reflectidos no preço pago pela aquisição das acções. Além disso, sendo uma condição indispensável para o bom governo das sociedades, o controlo eficaz por parte dos accionistas deverá ser facilitado e incentivado.” Um segundo apontamento segue para a aposta no desenvolvimento de meios telemáticos de participação e informação prévia sobre os pontos escritos a debate nas AG’s (Considerando 9). O terceiro aspecto digno de registo respeita ao chamado “procedimento de votação por procuração” (Considerando 10), mecanismo sobejamente conhecido e utilizado no sistema financeiro americano através das chamadas “proxy fights“. No fundo,  a Directiva 2007/36/CE procura regular alguns aspectos relacionados com a fiabilidade e transparência das procurações, permitindo que os accionistas se façam representar por quem lhes aprover, votando no sentido que lhes for indicado no respectivo instrumento de representação. Trata-se, portanto, de uma forma de flexibilizar o sistema de votação por procuração, permitindo que os accionistas que não queiram ou não possam comparecer, exerçam, ainda assim, o seu direito de voto.

Por outro lado, esta questão das “proxy fights” suscita um outro problema que se procura discutir neste blog: a dicotomia entre a utilização de uma OPA para assegurar o controlo de uma dada sociedade ou o recurso à procuração para reunir um particular número de intenções de voto (V. Takeover Bids Vs Proxy Fights). Como já foi referido, esta última forma de “corporate control” foi intensamente utilizada na busca do controlo de muitas sociedades norte-americanas por parte dos chamados “corporate raiders“, facto que mereceu alguma atenção de alguns académicos de Harvard e Stanford. Será um assunto que deverá merecer a maior atenção em resultado da transposição da directiva para o ordenamento jurídico de todos os Estados-Membros (até porque parece tratar-se de uma Directiva de harmonização mínima). Um pequeno reparo deverá ser feito: da leitura do texto da directiva não parece resultar qualquer tipo de restrição a esta forma de representação voluntária. Pelo contrário. Parece haver um incentivo claro à sua utilização, procurando promover a participação de todos os accionistas. Resta saber se o debate sobre a eventual utilização deste mecanismo por determinadas entidades, com vista a influneciar decisivamente o sentido do voto colectivo, não poderá resultar numa limitação artificiosa à vontade dos accionistas quando confrontados com uma matéria particularmente sensível como será, por exemplo, o lançamento de uma OPA e a adopção de eventuais medidas defensivas a aprovar pela AG.

Comissão Europeia deverá levar a Alemanha ao TJCE

A Comissão Europeia (CE) prepara-se para discutir, junto do Tribunal de Justiça das Comunidade Europeias (TJCE), a conhecida lei da Volkswagen, por alegado incumprimento por parte do Executivo Alemão face às recomendações últimas sobre esta matéria. De acordo com uma nota de imprensa datada de 5 de Junho de 2008, a CE já havia intimado os órgãos responsáveis pelo sector financeiro a procederem a uma alteração legislativa que respeitasse as conclusões do TJCE no caso C-112/05 (Commission of the European Communities v. Federal Republic of Germany):

“A Member State which maintains in force legislation which, in derogation from ordinary company law, combines a limitation of the voting rights of every shareholder in a given company to 20% of that company’s share capital with the requirement of a majority of over 80% of the company’s capital for the adoption of certain decisions by the general assembly, and which, in derogation from the general law, allows a Member State and a territorial entity of that State each to appoint two representatives to the company’s supervisory board, fails to fulfil its obligations under Article 56(1) EC. “

Em causa estão três normas da Lei de 21 de Julho de 1960 (“Law on the privatisation of equity in the Volkswagenwerk limited company”) que permitem ao Estado alemão da Baixa-Saxónia bloquer uma potencial OPA sobre aquele gigante automóvel. Tratam-se das nossas bem conhecidas “golden shares”, caracterizadas por atribuirem especiais prerrogativas ao Estado sem que a respectiva percentagem do capital social na empresa visada garanta a atribuição linear desses direitos. Em concreto, o diploma bávaro prevê três tipos de situações consideradas abusivas e violadoras da Liberdade de Circulação de Capitais:

  • representação automática no Conselho de Administração da empresa (nomeadamende, com a alocação de um lugar fixo ao Premier da Baixa-Saxónica);
  • limite mínimo de 20% para o exercício do direito de voto (“voting cap”); e
  • uma minoria de bloqueio de 20% (“bloking minority”).

Ora, apesar de estas “acções” terem sido já julgadas (por diversas vezes) ilegais pelo TJCE, o facto é que ainda são instrumentos muito em voga, usados sobretudo pelos países que mais óbices têm colocado à permissão de aplicação de medidas defensivas contra-OPA. Este foi um dos pontos desenvolvidos na tese de pós-graduação que serve de base à criação e lançamento deste blog e, atenta a investigação feita por ocasião da sua elaboração, posso afirmar que os mais acérrimos defensores da “strict neutrality rule” da Directiva das OPA’s (Directiva 2004/25/CE do Parlamento Europeu e do Conselho) têm sido os que mais têm recorrido a estes expedientes.

A “golden share” tem a sua origem histórica nas acções preferenciais criadas pelo Governo de Margaret Thatcher aquando do lançamento do vasto processo de privatizações na década de 80. Em Portugal, este tem sido um instrumento usado, sobretudo, para garantir que determinadas decisões ou orientações são aprovadas ou rejeitadas nas assembleias-gerais de accionistas, uma vez que normalmente surgem associados a um importante direito de veto. O exemplo prototípico é-nos dado pela Portugal Telecom onde o Governo Português detêm acções de tipo A, que lhe atribuem direitos especiais que nenhum outro accionista detém. O executivo afirma que se trata apenas de uma forma de proteger o interesse nacional em empresas com valor estratégico, assegurando que eventuais OPA’s hostis não interferem no regular funcionamento do mercado.

Este mesmo argumento foi avançado pelas autoridades espanholas em defesa das suas acções com direitos especiais, embora o executivo madrileno tenha optado por retirar da lei essas prerrogativas para evitar sanções de Bruxelas. Parece, de facto, a escolha mais acertada do ponto de vista do direito comunitário, principalmente em face da consagração das liberdades de circulação de capitais e de estabelecimento, mas não parece uma solução que o executivo português esteja disposto a implementar.

Ora, ainda que se compreenda perfeitamente a preocupação com posições estratégicas em empresas de referência no mercado português, não se pode aceitar que medidas sub-reptícias possam permitir resultados que a lei (e o próprio direito comunitário) quiseram, deliberadamente, afastar. Não se compreende o esforço colocado na implementação de uma regra de “passividade” aplicada à sociedade visada num processo de aquisição por oferta pública quando, por outro lado, alguns Estados continuam a decidir unilateralmente sobre o futuro dessas ofertas, usando um “não” especial que se sobrepõe à vontade daqueles que a Directiva considera os principais interessados nestes processos: os accionistas.

O novo paradigma dos mercados financeiros

Começo este Blog com um apelo a todos os autores, comentadores e líderes de opinião com uma consciência social que ultrapassa a mera necessidade de tudo criticar, sem contribuir para a melhoria das soluções implementadas.

O séc. XXI marcou o advento de uma nova era da sociedade da informação, onde todas as barreiras que durante séculos limitavam o acesso e participação dos indivíduos mais comuns foram definitivamente quebradas. Thomas Friedman disse que o “Mundo está a ficar plano”. Mas, o mundo está, acima de tudo, diferente: as sociedades mudaram, a tecnologia registou avanços fantásticos e os mercados seguem novos padrões de consumo e de afectação de factores de produção.

É aqui que nasce o novo paradigma dos mercados financeiros. Não mais são as pessoas consideradas um mero instrumentos das grandes empresas, apostadas na angariação de capital para grandes investimentos. Os investidores, pequenos ou médios, são agora os líderes do mercado, porque possuem a capacidade de influenciar decisivamente o registo bolsista das sociedades em que participam. Talvez ainda não seja bem assim em Portugal, dado que a vasta maioria dos investimentos em capital é ainda feita através de investidores institucionais (Bancos, Sociedades de Investimento, etc.). Mas este será, certamente, o futuro a médio ou longo prazo. A existência de mais e melhor informação sobre áreas que outrora eram fundamentalmente técnicas, o aumento do capital disponível para aforro e investimento (resultante da redução dos custos com os bens essenciais, quando comparados com a realidade de há 50 anos) e a própria dinâmica de sociedades compostas por indivíduos com maior formação e mais intervenccionistas, ditará a viragem do mercado português a breve trecho.

É preciso conhecer as soluções implementadas, discutir os projectos em análise e contribuir para uma disciplina mais justa e progressista. É este o novo paradigma dos mercados financeiros, em particular, e das sociedades do novo milénio, em geral.